Dando continuidade a uma série de conversas com os meus parceiros nos negócios imobiliários que apoio profissionalmente, realizei mais uma conversa com a Dr.ª Cristina Pinheiro, Solicitadora e colaboradora do Departamento Processual de uma mediadora imobiliária.
Desta vez a nossa abordagem incidiu sobre a temática dos direitos de preferência nas transações de imóveis, nomeadamente tentando clarificar questões como “quem tem ou pode ter direitos de preferência?”, “como pode exercer esses direitos de preferência?”, “quais os prazos para os exercer?”, etc. Partilho aqui um excerto da maior parte dessa nossa conversa.

Marco Moura Marques (MMM): Olá, Cristina! Boa tarde!
Cristina Pinheiro (CP): Boa tarde, Marco!
MMM: Muito obrigado por acederes, uma vez mais, a desenvolver este tipo de conversa comigo, sobre temáticas com que lidas diariamente e que são bastante importantes para pessoas como eu, com a minha atividade de mediação e consultoria imobiliária, e com o objetivo de prestar o melhor serviço aos meus clientes.
CP: Marco, muito obrigada! Eu é que agradeço o teu convite, uma vez mais. Estas temáticas levantam sempre muitas questões, as quais convém esclarecer, pelo que entendo que este é um ótimo serviço que, mais uma vez, prestas aos teus clientes.
MMM: Existe uma temática que, seguramente, é muito interessante, a qual tem a ver com direitos de preferência. Interessa perceber, por mim e por quem nos vai ler e ouvir, quais as situações em que existem direitos de preferência numa qualquer transação imobiliária. E, decorrente disso, como é que funcionam as notificações dos detentores desses direitos, como funcionam as respostas a essas notificações... Dá-nos aqui, por favor, uma perspetiva geral deste tema.
CP: Ora bem, o direito de preferência é o direito que uma pessoa tem de preferir sobre qualquer outra pessoa na transação de um imóvel. Num negócio de compra e venda, por exemplo, estabelece algumas prioridades entre potenciais compradores, sendo que esse negócio é realizado em circunstâncias de igualdade. Temos alguns direitos de preferência atribuídos a pessoas diferentes, bem como prazos diferentes.
MMM: Que exemplos temos?
CP: Podemos começar pelos direitos de preferência que, neste momento, estarão mais na ribalta, uma vez que são mais recentes e surgem na sequência da Lei de Bases da Habitação. Refiro-me aos direitos legais de preferência das entidades públicas, nomeadamente o Estado, através das Câmaras Municipais, das Regiões Autónomas, da Direção Regional do Património Cultural, do Instituto da Habitação e Reabilitação. Estas entidades têm o direito de ser conhecedoras das transações imobiliárias que se perspetivam para um futuro próximo, para que se possam pronunciar quanto a quererem sobrepor-se ao comprador perspetivado.
MMM: Sabes, claro, que esses direitos de preferência que vais agora especificar já existem há alguns anos. No entanto, em cada transação que eu faço, tenho que explicar aos meus clientes o que significam e para que servem esses direitos.
CP: É perfeitamente normal. A importância recente das ‘zonas ARU’, por exemplo, faz com os direitos de preferência associados a elas sejam bastante conhecidos...
MMM: E muito embora existam outros direitos de preferência, dos quais também irás falar, seguramente, além de que os relacionados com as zonas ARU já existam há alguns anos, a verdade é que o facto de colocarmos uma cláusula no contrato promessa de compra e venda que refere a existência de entidades que podem exercer direitos legais de preferência sobre o imóvel que está a ser transacionado, tal assusta muita gente…
CP: Sim, é verdade. O vendedor até é o menos prejudicado, pois mesmo que o direito legal de preferência seja exercido, ele vai acabar por realizar o negócio nas condições que estavam acordadas com o promitente comprador. Já o comprador irá estar numa situação de incerteza e expetativa durante, pelo menos, 10 dias úteis, período que terá de decorrer para ele saber se pode comprar o imóvel nas condições previamente acordadas ou se, uma outra entidade, o poderá fazer, substituindo-o.
MMM: Então, Cristina, o que é isto dos direitos legais de preferência das entidades públicas?
CP: Conforme já tinha referido, estes direitos resultam da Lei de Bases da Habitação e são atribuídos a entidades públicas nas zonas de pressão urbanística. Estas ‘ZPU’ são áreas em que se verifica uma dificuldade de acesso a habitação por haver escassez ou desadequação da oferta habitacional face às necessidades existentes. Ora bem, nós que estamos no setor imobiliário, sabemos bem que nos dias de hoje, estas zonas cobrirão uma boa parte do nosso país. Não existem casas suficientes e as que estão no mercado situam-se numa gama de preço aquém das possibilidades de uma boa parte da população necessitada.
MMM: Mas estas zonas de pressão urbanística, as ZPU’s, estão geograficamente bem definidas?
CP: Deveriam estar. Existe uma Portaria, com alguns anos, que vem definir as zonas de pressão urbanística. Com a Lei de Bases da Habitação era suposto que os municípios já tivessem definido bem essas áreas, mas eu sei que nem todos as definiram. Nesta temática específica quase que fazemos direito consuetudinário, pois vamos realizando transações e vamos questionando se os imóveis estão ou não em ZPU... e sempre que a transação envolve financiamento bancário, os bancos exigem clareza quanto aos direitos legais de preferência… E, na verdade, para a proteção e segurança do comércio imobiliário, fazêmo-lo, ou seja, cumprimos as normas relativas aos deveres de notificação destas entidades públicas no que se refere aos seus direitos legais de preferência. Eu entendo o que o legislador pretende: dar a oportunidade às entidades públicas de conhecerem quais os imóveis em vias de serem vendidos e de os poderem adquirir, sem prejuízo dos vendedores, e assim, dessa forma, poderem deter imóveis que melhor deem resposta ao problema habitacional existente.
MMM: Então significa que em cada intenção de transação que te chega à mão, por força da tua colaboração na redação do contrato promessa de compra e venda, tu vais tentar identificar a localização exata do imóvel para poderes confirmar se ele está ou não inserido nestas zonas ARU ou ZPU. É isso?
CP: Sim, é isso. Como diz a expressão popular: “cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém”. Não faz mal nenhum utilizar os meios de notificação disponíveis para efeitos de direitos legais de preferência, principalmente se estivermos na dúvida quanto a existirem ou não esses direitos. Claro que em zonas com muita habitação disponível face à procura, nomeadamente zonas do interior do país, poderá ser excesso de zelo. Mas em zonas com grandes aglomerados habitacionais parece-me ser sempre necessário ou prudente.
MMM: Quem é que tem a responsabilidade de averiguar isto? Ou seja, num processo de compra e venda, com uma mediadora imobiliária a apoiar, quem é que tem a responsabilidade de publicar este anúncio?
CP: É sempre o vendedor. É este que tem que dar conhecimento da transação futura através do portal casapronta.pt, preparado para esse efeito, publicando um anúncio com as condições acordadas para o negócio. Ou seja, quem é o vendedor, quem são os compradores, os seus números de identificação fiscal, a localização do imóvel, a data prevista para a escritura, a identificação do número da ficha da Conservatória do Registo Predial, a identificação do artigo matricial… Deverá sempre antecipar-se a publicação deste anúncio em 10 dias úteis face à data prevista para a escritura, pois é este o período de tempo que estas entidades públicas legalmente têm para exercer os seus direitos legais de preferência. Mas ainda que a responsabilidade caiba ao vendedor, eu estou habituada, aqui na KW Alfa, a demonstrar uma gentileza para com o nosso cliente vendedor, recolhendo e inserindo essa informação no referido portal e solicitando a publicação do anúncio. O nosso cliente apenas tem a obrigação de, mediante a referência que é gerada automaticamente, efetuar o pagamento dos quinze euros dentro do prazo indicado. E atenção a este pormenor relevante: convém mesmo efetuar o pagamento dentro do prazo que for indicado, uma vez que mesmo fora do prazo a referência para pagamento mantém-se válida, e se o pagamento for efetuado, o dinheiro é recebido por eles, mas o anúncio não é publicado… E se não o for, significa que se tem que efetuar novo pedido de publicação e esperar mais 10 dias úteis antes de se poder realizar a escritura.
MMM: Já agora, permite-me perguntar: isso significa que não somos avisados quando o pagamento do pedido de publicação do anúncio é efetuado fora do tempo?
CP: Não, não somos, pelo que temos que estar atentos a isso. Temos sim que consultar o portal, através do número de processo gerado aquando da introdução dos dados, ou através do número de identificação fiscal do vendedor, para verificar se as entidades públicas nada disseram (o que acontece na esmagadora maioria dos casos), ou se alguma diz, peremptoriamente, que quer exercero seu direito. Mas quando alguma entidade quer exercer esse seu direito, envia um e-mail a solicitar o contacto e a propor uma vistoria ao imóvel. Muito raramente isto acontece, mas temos que ter o cuidado de verificar. E devemos ter, também, outro cuidado, que é o seguinte: tendo este anúncio uma validade de 180 dias depois de publicado, então se estiver previsto que o nosso contrato definitivo de compra e venda (a escritura) será efetuado apenas daqui por um ou dois anos, não fará sentido pedir a publicação deste anúncio no imediato.
MMM: Muito bem. Então a publicação deste anúncio é necessária para dar notificação às entidades públicas que têm direitos legais de preferência sobre o imóvel a transacionar. Existe mais alguma situação?
CP: Antes disso, uma nota adicional… Vimos que o enquadramento é a área de localização do imóvel e, nomeadamente, se a sua morada se insere numa zona de pressão urbanística, onde há escassez de habitação, na sequência do estabelecido pela Lei de Bases da Habitação. Ora, existem situações em que são vendidas, não habitações, mas antes lojas e lugares de estacionamento, por exemplo. Ou seja, estes são imóveis não destinados a habitação, pelo que não há obrigatoriedade de pedido de publicação de anúncio relativo a direitos legais de preferência, quando o enquadramento dos mesmos é em ZPU.
MMM: Percebido.
CP: As entidades públicas também têm preferência, já há alguns anos, sobre os imóveis transacionados em zonas ou áreas de reabilitação urbana, as ARU’s. E aí, sim, ter-se-á que dar preferência sobre todos os imóveis urbanos, sejam ou não destinados a habitação. Aqui ter-se-á que ter o cuidado de verificar se o imóvel transacionado está ou não inserido numa ARU e, sendo caso disso, solicitar a publicação de anúncio relativo aos direitos legais de preferência. Estas zonas ARU também podem ser consultadas no portal da câmara municipal do concelho do imóvel, embora muitas vezes não sejam facilmente identificáveis. Mas, uma vez mais, a expressão “cautela e caldos de galinha”...
MMM: Ou seja, mais vale pedir a mais do que menos…
CP: Sim. Por vezes até acontece que o imóvel está no limite de uma zona ARU e ficamos com dúvidas que não conseguimos rapidamente esclarecer… pelo que, às vezes, mais vale avançar com o pedido.
MMM: E que implicações existem sobre a transação imobiliária da não realização do pedido de publicação dos direitos de preferência?
CP: Como em todos os direitos legais de preferência - não esquecendo que outros podem ser definidos contratualmente - quem entende que tem esse direito e entende que o mesmo lhe foi negado ou impedido de ser exercido, pode sempre recorrer a uma ação legal de preferência. Esta tem um prazo de 6 meses para ser utilizada, contados a partir da data de conhecimento do facto.
MMM: Numa situação hipotética em que se chega ao momento do contrato definitivo de compra e venda (escritura ou documento particular autenticado) e o vendedor não efetuou a publicação do anúncio relativo aos direitos legais de preferência, o que é que poderá acontecer? O Notário ou Solicitador pode recusar realizar esse contrato? Ou aceita realizar a escritura se o comprador aceita correr esse risco?
CP: A verificação do cumprimento de alguns formalismos nesses atos compete à entidade autenticadora, ou seja, o Notário, Solicitador ou Advogado. A verificação da notificação dos detentores de direitos legais de preferência é um desses formalismos e uma dessas responsabilidades. No entanto, é possível realizar esse contrato definitivo de compra e venda, desde que as partes estejam devidamente advertidas, nomeadamente quanto à obrigação de notificação pelo vendedor e ao risco que o comprador corre de estar a comprar algo sobre o qual um terceiro possui um direito legal de preferência. E, se assim for, deverá ficar contemplado no contrato (escritura ou documento particular autenticado). No entanto, sou sincera quando te digo, Marco, que como Solicitadora, prefiro não o fazer. Prefiro dizer às partes que aguardem um pouco mais e procedam à notificação das entidades detentoras de direitos legais de preferência. Não será por mais 10 dias, nem por um custo de 15 euros, que as pessoas vão viver a sua vida com receio de um terceiro poder interpor uma ação legal de preferência. E não esqueçamos que ainda que o Notário ou Solicitador decida avançar com a escritura, a verdade é que o ato ainda vai passar pelo crivo da Conservatória que acolher o pedido de registo do mesmo. O Conservador poderá entender que extravasa os limites da liberdade contratual, por exemplo.
MMM: E se no momento da escritura não tiver sido submetido o pedido de publicação do anúncio? Ou se tiver sido submetido e pago o pedido, mas não tiverem ainda decorrido os 10 dias úteis? Nestas situações é possível realizar-se a escritura? Poderá a mesma realizar-se ainda que possa o seu registo ficar pendente na Conservatória, a aguardar suprimento da deficiência? E pode esta ficar regularizada com a entrega do comprovativo de pedido e pagamento da publicação do anúncio e de que entretanto passaram os 10 dias e não foi acionado o direito legal de preferência?
CP: Se a Conservatória entender que esse cenário é passível de ser resolvido com suprimento de deficiências, então notificará o Notário ou Solicitador. Se entender que é motivo para recusa - embora não me pareça de todo que o seja – então simplesmente recusa o registo desse ato. E, nessa situação, o Notário ou Solicitador poderá voltar a apresentar o registo, a partir do momento em que aquele prazo dos 10 dias tiver decorrido na totalidade. Mas não me parece que estes cenários se coloquem, ou seja, a entidade autenticadora – Notário ou Solicitador – ao verificar que os 10 dias úteis não estão decorridos, tomará a iniciativa de aguardar que eles decorram para realizar a escritura e seu pedido de registo. Porque é mais seguro. Muito embora o registo não seja uma condição para dar eficácia ao ato, ele dá segurança ao comércio imobiliário. Tem eficácia erga omnes, ou seja, contra todos, serve para dar publicidade a terceiros. Não constitui direitos, mas conserva-os. Enquanto entidade autenticadora, o Notário ou Solicitador quer - ou falando por mim, mas em nome de toda a classe - o que nós queremos é que as partes estejam seguras. Principalmente o comprador. Ele tem o direito de comprar algo, pagar o seu preço e estar perfeitamente tranquilo de que não vai ter problemas doravante, por qualquer vício ou ineficácia decorrente do processo. Tudo tem que ser analisado com muito cuidado. Pedida e paga a publicação do anúncio relativo aos direitos de preferência, não há porque não aguardar os 10 dias úteis previstos na lei.
MMM: Muito bem. Voltando à enumeração das entidades com direitos legais de preferência… temos as entidades públicas, das quais temos estado a falar, as quais têm direitos de preferência quando os imóveis habitacionais estão inseridos em ZPU’s e quando os imóveis estão inseridos em ARU’s…
CP: Temos ainda mais direitos de preferência legalmente estabelecidos, nomeadamente a compropriedade. Quando são dois (ou mais) os proprietários do mesmo imóvel, cada comproprietário tem direito de preferência sobre a quota-parte do outro (ou outros). Isto acontece muito em casais em união de facto, por exemplo. Ou entre irmãos herdeiros da mesma herança. Não faz sentido que um deles possa vender a sua quota-parte num imóvel em compropriedade sem permitir que o outro se pronuncie quanto à sua vontade de adquirir a quota-parte do que quer vender. Há aqui uma necessária proteção que é, digamos, intuitiva e lógica. Ora estes direitos de preferência podem ser acionados por quem os tem, num prazo de 8 dias úteis a contar do momento em que são notificados pelo vendedor.
MMM: Sim, compreende-se que se cuide dessa necessária proteção.
CP: No que se refere aos imóveis constituídos por direitos de superfície, têm preferência sobre estes bens os titulares do direito sobre o solo. Estes direitos deverão ser acionados nos prazos definidos nos termos do Código Civil, ou seja, 8 dias.
MMM: Ok.
CP: Já no que se refere ao trespasse é o senhorio que tem direito de preferência. Ou seja, o seu arrendatário, se estiver a planear trespassar o seu negócio, deverá notificar o seu senhorio, dando-lhe conta da transação que perspetiva realizar, para que este possa, caso queira, exercer o seu direito de preferência.
MMM: As notificações das entidades públicas são efetuadas via portal casapronta.pt, como já referiste. E estes, isto é, os comproprietários, os titulares dos direitos de superfície e os senhorios?
CP: Esses devem ser notificados por carta registada com aviso de receção enviada para o endereço oficial do detentor do direito legal de preferência. A não ser que tenham convencionado outro endereço.
MMM: Que mais situações temos?
CP: Temos os herdeiros como detentores de direitos de preferência sobre as heranças e nomeadamente no que se refere à venda do seu quinhão hereditário. Atenção que aqui temos um prazo de 2 meses para que o detentor do direito de preferência decida ou não exercer esse direito.
MMM: Ou seja, estamos a falar de uma herança que ainda está indivisa, certo? E o que dizes significa que cada um dos herdeiros pode vender a sua parte da herança, o seu quinhão hereditário?
CP: Exatamente. Pode vender, pode ceder… também pode ser penhorado. É muito frequente em processos executivos aparecerem penhoras sobre o quinhão hereditário de alguém. Há aqui também uma lógica idêntica à da compropriedade. Ou seja, se alguém é herdeiro de um imóvel, juntamente com outras pessoas da mesma família, é muito estranho se, de repente, temos um terceiro, estranho ou não, a deter parte da herança, sem termos sido previamente ouvidos. Também aqui faz sentido que se proteja a herança, ou melhor, a família e a relação familiar. Os herdeiros dispõem de 2 meses para se pronunciarem quanto a quererem exercer o seu direito de preferência.
MMM: Certo. E que mais situações temos em termos de direitos de preferência?
CP: Temos as situações de venda de imóveis rústicos, os quais nos dão sempre dores de cabeça no que se refere à questão dos direitos legais de preferência. Aqui os detentores dos direitos são os proprietários dos terrenos confinantes de áreas inferiores à unidade de cultura. A unidade de cultura está definida na Portaria 219/2016 de 9 de agosto e…
MMM: … e não é igual em todo o país, pois não?
CP: Não, é verdade, não é igual em todo o país. Este direito de preferência não se verifica caso algum dos terrenos confinantes seja parte componente de um terreno urbano. Por exemplo, um terreno misto, rústico e urbano.
MMM: Eu diria que em todas as outras situações em que existem direitos legais de preferência será raro não se conseguir identificar o detentor ou detentores desses direitos, mas nesta última situação…
CP: Sim, na situação de venda de terrenos rústicos em que existem terrenos confinantes de reduzida dimensão é muito difícil… As Finanças não disponibilizam as moradas, ao abrigo do sigilo fiscal. Às vezes as pessoas conseguem obter essa informação das Juntas de Freguesia. Na pior das hipóteses, o vendedor faz um edital e publica-o na Junta de Freguesia e no jornal mais lido da localidade ou do concelho. E aqui existe um prazo de 30 dias para alguém se apresentar como o proprietário do terreno confinante que quer exercer o seu direito de preferência.
MMM: Sugeres que se publique um edital na Junta e se publique no jornal mais lido? Ou um é alternativa ao outro?
CP: Sugiro que se publique em ambos, cumulativamente. É sempre mais seguro. Quando não se conhece o ou os proprietários, devemos esperar 30 dias para alguém se apresentar. Mas quando conhecemos os proprietários dos terrenos confinantes e as suas moradas, então devemos enviar carta registada com aviso de receção e aguardar 8 dias úteis para que exerçam, caso queiram, o seu direito de preferência.
MMM: Existem mais situações?
CP: Sim, temos mais. Temos as cooperativas, como detentoras de direitos legais de preferência na venda dos imóveis por si construídos. As cooperativas têm estes direitos nos primeiros 30 anos contados a partir da data de entrega do primeiro fogo. E terão que se pronunciar nos 8 dias úteis após receberem a notificação do vendedor, por carta registada com aviso de receção. Estes direitos são, muitas vezes, um problema, uma vez que muitas destas cooperativas deixam de existir, algumas vezes por falência. Já me aconteceu ter de notificar uma cooperativa que faliu… tive que identificar e notificar o administrador da insolvência… embora a maior parte das vezes eles nem exerçam o seu direito de preferência.
MMM: Neste caso, identificas a existência de uma cooperativa com direito de preferência através da certidão do registo predial, certo? Na identificação do primeiro proprietário do bem edificado...
CP: Sim, na certidão relativa ao ‘prédio mãe’ poderemos identificar se se tratou de uma cooperativa.
MMM: Imaginemos o seguinte: o vendedor, em qualquer uma destas situações, faz a devida notificação da entidade que ele identificou como tendo direito legal de preferência... Ou, como já referiste, numa situação de venda de um terreno rústico, ele não consegue identificar os proprietários dos terrenos confinantes, mas faz a publicação de um edital na Junta e no jornal mais lido no concelho... Em qualquer situação existe um prazo de resposta da entidade notificada. Mas… a outra entidade, de boa fé ou de má-fé, passado algum tempo, pode dizer que não foi notificada e/ou adequadamente informada. Imagino eu que a tua recomendação para o vendedor será de organizar e guardar muito bem comprovativos de todas ações realizadas, nomeadamente as notificações.
CP: Sim, deverá guardar um arquivo de tudo.
MMM: Durante quanto tempo?
CP: Boa questão. A ação de preferência, já referida por mim, deve ser intentada nos 6 meses após o conhecimento…
MMM: Em qualquer uma destas situações?
CP: Sim. A ação de preferência está prevista no artigo 1410º do Código Civil.
MMM: Explica, por favor... o que é isto de ‘6 meses após conhecimento’?
CP: Sim, refiro-me ao conhecimento da venda…
MMM: Ou seja, se o detentor do direito de preferência só tiver tido conhecimento da venda após uns 3 anos da ocorrência da mesma, esses 6 meses ainda vão contar a partir daí?
CP: Sim. O prazo de 6 meses é um prazo de caducidade. Depois poderemos ter aqui o problema da prova, relativo ao conhecimento. Mas sendo o contrato de compra e venda de registo obrigatório e servindo o registo para dar publicidade, temos aqui o conhecimento.
MMM: Compreendido. Agora voltando um pouco ao início da nossa conversa e repescando uma nota que tenho aqui sobre imóveis classificados... Isto é, no caso de imóveis a transacionar que tenham algum tipo de classificação como património a preservar, o que deverá ser feito? Por exemplo, imaginemos uma moradia com um terreno envolvente onde existe uma capela bastante antiga. E que, de alguma forma, ou a Junta ou a Câmara classificou essa edificação como de interesse municipal…Num cenário destes já é bem mais difícil que o consultor imobiliário ou o Departamento Processual de uma mediadora consigam identificar um imóvel nesta situação, exceto se o vendedor os informar de tal.
CP: Sim, sim, numa situação dessas é bem mais difícil.
MMM: Cabe ao consultor que visitou o imóvel colocar as suas dúvidas ao vendedor, se as tiver. E pode efetuar algumas diligências para averiguar se há alguma classificação… mas vai ter sempre que confiar no que lhe é dito.
CP: Mas repara... nem faz sentido o vendedor não querer partilhar essa informação. Porque quem possa vir a exercer a preferência, vai fazê-lo nos mesmos termos do acordado com o comprador. O vendedor nunca irá ficar a perder se alguém exercer o direito de preferência. Seja o negócio efetuado com um particular, seja com o Estado, por exemplo, os termos de acordo mantêm-se quando alguém exerce o seu direito de preferência.
MMM: Ótimo. E que mais tens para nos apresentar?
CP: Ainda nos falta falar dos direitos de preferência dos arrendatários. Se o proprietário do imóvel que estão a arrendar o quiser vender, o arrendatário tem direito de preferência sobre a venda do imóvel, caso o habite há mais de 2 anos. Depois de notificado pelo vendedor, o arrendatário tem um prazo de 30 dias para dar resposta, caso queira exercer o seu direito de preferência. Nota, por favor, que há uma hierarquia nos direitos legais de preferência e, neste caso, as entidades públicas não se sobrepõem ao arrendatário.
MMM: E os usufrutuários, o que nos podes dizer sobre os seus direitos?
CP: Os usufrutuários não tem direitos legais de preferência previstos na Lei.
MMM: Então um usufrutuário de um imóvel, pode ver o imóvel que usufrui ser vendido a uma outra entidade, mantendo o seu direito de usufruto…
CP: Exatamente.
MMM: Nesse caso, compete a quem vende informar o comprador desse usufruto e compete a quem compra certificar-se dessa situação.
CP: Em boa verdade, o usufruto está registado na Conservatória do Registo Predial. É o usufrutuário que aparece como titular do imóvel na caderneta predial das Finanças e é a ele que é liquidado o IMI desse imóvel. Por isso, documentalmente, o comprador tem de ter necessariamente acesso a estas informações. Aproveito para reforçar a mensagem de que nestas e noutras situações de transações de imóveis, os diretamente interessados devem recorrer a um consultor imobiliário, a um advogado, a um Solicitador… Intervirem sozinhos neste tipo de transações, só se possuírem bons conhecimentos jurídicos e dos processos, porque existem inúmeros detalhes que, mal abordados ou negligenciados, podem complicar as transações. Muitas vezes as pessoas apontam-nos como sendo ‘pessimistas’ e até de pessimismo propositado, para depois surgirmos como os ‘salvadores’ de cada situação. Mas a realidade dos negócios, de facto, ultrapassa largamente a ficção. Não se consegue prever tudo, mesmo tendo muita experiência e conhecimentos. Mas o nosso trabalho é reduzir os riscos, o que se consegue tanto melhor, quanto melhor informados estivermos.
MMM: Percebo perfeitamente o que queres dizer e espero que quem nos ouvir e ler também o entenda. Continuando nessa onda de ‘pessimismo’, mas não a adotando… vamos imaginar o seguinte cenário: (i) uma entidade, singular ou coletiva, com direito de preferência na venda de um imóvel, (ii) exerce o seu direito dentro dos prazos previstos na Lei, (iii) mas a escritura já ocorreu, (iv) em resultado de deficiência na notificação pelo vendedor… O que acontece se esta entidade tem legitimidade para exercer o seu direito, mas o imóvel já foi vendido e tem um novo proprietário?
CP: Existe a ação de preferência. É o instituto a que deve recorrer para exercer o seu direito nesse cenário.
MMM: Mas e o comprador de boa fé, como fica nesta situação?
CP: Se é um terceiro de boa fé que não sabia da existência desse direito ou não se apercebeu da deficiência de notificação, também ele pode socorrer-se dos mecanismos que a Lei prevê para estas situações. Nomeadamente em termos de responsabilidade civil. Pedindo uma indemnização, por exemplo.
MMM: Se estivermos a falar da venda de uma habitação…
CP: … em que a pessoa ou a família já lá esteja a viver quando o direito de preferência é exercido… Sim, é muito complicado.
MMM: Vem de encontro àquilo que já aqui abordamos, mais do que uma vez, e que é isto: não damos aqui aconselhamento jurídico. Validamos processos, certificamo-nos de que documentalmente existe e está correto tudo o que é exigível existir…
CP: Mas extrapolamos muitas vezes as nossas funções, porque temos sempre o cuidado de dizer ‘veja lá, veja bem isto, fale com o seu advogado…’. Tentamos manter sempre as pessoas bem conscientes em relação aos processos e aos seus riscos.
MMM: Então, Cristina, em jeito de resumo… Já abordamos na nossa conversa as situações em que existem direitos legais de preferência num qualquer negócio imobiliário. Abordamos, mas não detalhamos, as formas de notificação dos detentores dos direitos de preferência. Falamos ainda dos tempos de resposta às notificações dos detentores dos direitos de preferência. Falamos também do que poderá acontecer por falta ou vício de notificação dos detentores de direitos de preferência, sendo-lhes negado essa possibilidade de exercer o seu direito. Falamos também do que pode fazer quem entende que lhe foi negado esse direito. Há mais alguma coisa que queiras referir?
CP: Atenção que falamos aqui dos direitos de preferência legalmente estabelecidos. No entanto, existirão outros direitos de preferência que poderão ser estipulados em contratos celebrados entre as partes. Por exemplo, os arrendatários têm direito de preferência na venda do imóvel arrendado, após 2 anos de nele viverem. Mas o contrato de arrendamento poderá livremente estipular que adquirem esse direito logo após o primeiro ano de arrendamento, por exemplo. Acontece muito isso no contrato de arrendamento com opção de compra, em que o arrendatário está a ter uma preferência na venda, definida logo no início do contrato.
MMM: Sim, é verdade.
CP: A Lei prevê todas estas situações, prazos de notificação, prazos de resposta, sempre na tutela da parte mais fraca ou de um interesse bem intencionado (caso dos direitos e objetivos das entidades públicas). Agora, há uma frase muito utilizada pelos juristas e que se aplica aqui: “mais vale um mau acordo do que uma boa demanda”. Isto significa que recorrer ao tribunal nem sempre é sinónimo de que vamos ver o nosso direito reconhecido, não é? E as pessoas vão perder tempo e dinheiro, com tudo o que isso acarreta. Pelo que serão de evitar essas situações, isto é, deixar a resolução de um problema evitável ser decidido em tribunal. Por isso… mais vale pagar quinze euros e aguardar 10 dias úteis para notificar as entidades públicas ou, em relação aos outros detentores de direitos de preferência, redigir e enviar uma carta registada com aviso de receção e aguardar o tempo previsto na lei para cada situação. Financeiramente falando, estas formas de notificação não é algo que seja significativo. E se as partes envolvidas numa transação recorrerem a uma mediadora imobiliária, terão quem proceda ao pedido de publicação de anúncios, redija notificações, consoante cada situação. Em suma, podemos fazer tudo dentro da lei para evitarmos, ao máximo, problemas de futuro.
MMM: Muito bem. Então encerramos com isso, colocando o ênfase no valor acrescentado que damos aos nossos clientes, estando nós conscientes, tornando-os a eles mais conscientes e sabendo nós como atuar em relação à temática dos direitos legais de preferência.
CP: Sem dúvida.
MMM: Cristina, muito obrigado! E… até breve!
CP: Eu é que agradeço! Até breve!

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